Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda - Capítulo 2: A obrigatoriedade da mediunidade
Eis um assunto sobre o qual – tenho consciência – sou uma voz quase dissonante: a obrigatoriedade do desenvolvimento da mediunidade.
No primeiro capítulo,
expliquei o meu ponto de vista a respeito dos médiuns, deixando claro que, em
minha interpretação, nem todas as pessoas podem, de fato, ser médiuns, embora
boa parte delas tenha, pelo menos, um rudimento de mediunidade que lhes permita
ter intuições, pressentimentos, etc.
Para mim, apenas um número bem
reduzido (se comparado a quantidade total de pessoas no mundo), são de fato
médiuns e essas pessoas vieram para a Terra após um rigoroso processo de
preparação do plano espiritual.
O desenvolvimento mediúnico de
que este livro se ocupa não é mais do que oferecer condições adequadas e
seguras para que tais pessoas possam “acordar” a mediunidade adormecida em si
mesmas. Mediunidade esta que lhes foi atribuída pelo plano espiritual e não por
exercício da sua própria vontade.
Costumo dizer que a escolha
entre ser ou não ser médium ocorre no Mundo Espiritual, antes da encarnação.
Uma vez escolhido este caminho, cabe ao espírito apenas dar cumprimento e é por
esta razão que, inicialmente, disse que sou uma voz quase dissonante.
Desenvolvendo todo mundo?
Atualmente, é corrente a visão
no meio umbandista de que a mediunidade é uma faculdade como outra qualquer e
que basta ao indivíduo o desejo de se desenvolver para de fato vir a ser
médium. Em minha opinião, isto está profundamente equivocado.
Este procedimento acaba por
produzir uma legião de “médiuns” que nunca incorporaram realmente e que,
portanto, acabam por produzir transes anímicos em que o que de fato se
manifesta, quando muito, é apenas uma faceta do próprio inconsciente...
É por isso, infelizmente, que
encontramos relatos de pessoas que dizem frequentar terreiros há anos e a não
ser por uma experiência de êxtase do tipo: arrepio intenso, emoção pelos toques
e cânticos bem executados, nunca conversaram realmente com um médium
incorporado que lhes assegurasse a convicção de estarem conversando com uma
entidade manifestada...
Isto é, conversam com estes
médiuns, obtém conselhos relativamente interessantes, mas nunca tiveram
qualquer experiência profunda em termos de revelações ou aconselhamentos que versassem
sobre algo além do senso-comum, o que para mim é estranhíssimo e vou explicar o
motivo:
Quando visitei pela primeira
vez um terreiro de Umbanda, sem quase nada conhecer da religião, não tinha
muita fé de que viveria uma experiência genuinamente espiritual.
Busquei um antigo terreiro
aqui da minha cidade e em lá chegando comecei a reparar os médiuns mais velhos,
pois imaginava que, com estes, provavelmente teria uma experiência melhor.
Para minha frustração, acabei
passando com um médium mais jovem do que eu. Confesso: fui desanimado conversar
com o caboclo. Em lá chegando, a entidade me saudou, aplicou o passe e em
seguida disse:
— Eu sei por que você está
aqui...
— Por quê? Perguntei meio
petulante.
— Você está aqui porque foi
promovido no serviço e seus antigos colegas agora estão com dificuldade para te
aceitar como chefe.
O choque foi tão grande que
não me lembro de mais nada do que a entidade me disse naquela noite. Explico...
Eu trabalhava numa usina de
álcool há 65 km da minha cidade, quase fronteira com outra cidade. Era um
trabalho na zona rural, logo, apesar da empresa ser grande, eu tinha contato
muito reduzido com outras pessoas, pois trabalhava num almoxarifado durante
anos e finalmente havia sido promovido à chefe do setor, o que ocorreu uma
semana antes da conversa com a entidade e o que ela me disse realmente estava
me incomodando.
Eu não conhecia aquele médium.
Olhei ao redor para ver se alguém ali me conhecia (olha a petulância), mas
ninguém me conhecia. Não estava escrito na minha testa que fora promovido,
assim, apesar da relutância, só havia uma explicação plausível: a entidade
sabia o que estava falando...
Voltei neste terreiro outras
quatro vezes e em três delas tive experiências semelhantes. Depois, fiquei um
bom tempo sem visitar esta casa e quando retornei este médium não estava mais
lá. Não faço ideia de quem seja, qual o seu nome ou o nome do caboclo que me
atendeu... O que posso dizer é que ele mudou a minha vida e eu mudei a vida de
muita gente depois disso...
Este foi apenas o primeiro
episódio. Depois – e conforme eu me aprofundava neste universo – tive
incontáveis experiências espirituais em diversos terreiros que me satisfizeram
todas as necessidades de cético mais exigente...
Portanto, quando vejo pessoas
falarem que nunca tiveram conversas relevantes com as entidades, mesmo
frequentando diversos terreiros, penso, algo muito errado está acontecendo e,
em minha opinião, isso se deve, em parte, a este processo generalizado de
desenvolvimento mediúnico que se tem aplicado na Umbanda, procurando
desenvolver a mediunidade em quem não a possua...
Tais pessoas podem ser bem
intencionadas, ter um bom coração, mas nunca poderão aconselhar mais do que
poderiam por elas mesmas, já que, sem efetivamente entrar em transe espiritual,
apenas falariam aquilo que gostariam de ouvir...
A outra parte deste problema
se deve ao próprio ser humano que, mesmo tendo feito o desenvolvimento
mediúnico de forma adequada, sempre é assolado por seus próprios fantasmas,
tais como a insegurança, o medo de errar, o medo de ser julgado, de estar sendo
mistificado, etc. Tais inseguranças terminam por reduzir o potencial de muitos
médiuns que, do contrário, teriam tudo para brilhar (aliás, dica aos médiuns:
façam terapia, com certeza se tornarão médiuns melhores).
Observação importante
Apesar de ter deixado claro no
texto acima a importância de o médium estar realmente bem incorporado para
transmitir com segurança as orientações espirituais, devo considerar que não
existe obrigatoriedade das entidades em ficar provando sua manifestação,
principalmente, diante de pessoas arrogantes.
É relativamente comum o
comparecimento de pessoas que se acham por demais importantes nos terreiros com
o objetivo de serem convencidas pelas entidades da realidade espiritual.
Quando são arrogantes tolos,
como eu fui, a espiritualidade pode dar uma ajudinha, como foi o meu próprio
caso, porém, quando são arrogantes envaidecidos, com o ego exacerbado,
frequentemente, as entidades não farão a menor questão de provar nada e,
possivelmente, a pessoa sairá do terreiro tão descrente quanto entrou.
Há uma frase atribuída a São
Tomás de Aquino que exemplifica bem o problema da fé:
“Para alguém que tenha fé,
nenhuma explicação é necessária. Para aquele sem fé, nenhuma explicação é possível”.
Há pessoas que vão aos
terreiros querendo ser “estupradas mediunicamente”, isto é, querem que as
entidades entrem em suas cabeças, em suas vidas, em seus sonhos à força, sem o
menor gesto de simpatia de suas partes e, a pretexto de se convencerem, exigem
que as entidades saibam até o que elas almoçaram ontem, como se estivessem
diante de um oráculo capaz de ver o presente, o passado e o futuro e não de um
espírito amigo que só quer ajudar...
Não vá por este caminho,
antes, converse com as entidades de coração aberto, mesmo que você seja cético,
mesmo que duvide e pode ser que você se surpreenda.
As melhores revelações
espirituais que eu já recebi – e já recebi várias – vieram em momentos em que
eu sequer cogitava de solicitá-las.
Voltando à obrigatoriedade...
Abordado o problema dos
médiuns que não são médiuns apesar de muitos terreiros dizerem o contrário,
podemos retornar à questão original deste texto, encerrando este capítulo.
As entidades que me orientam,
sempre deixaram claro que todas as pessoas são livres para viverem suas vidas
como quiserem, contudo, em contrapartida, devem lidar com as consequências,
positivas e negativas, de suas próprias escolhas.
Muitas pessoas me perguntam se
poderiam trocar o trabalho mediúnico por uma vida dedicada à caridade, por
exemplo. Respondo sempre que não, pois uma coisa não implica em outra.
Ser caridoso é obrigação de
qualquer pessoa espiritualizada e, sem dúvida, há muito mérito em exercer a
caridade, contudo, se o indivíduo nasceu com a mediunidade, isso significa que
ele foi preparado para isso, logo, não é possível trocar o exercício da
mediunidade pelo da caridade, uma coisa não anula a outra.
Contudo, se esta for a vontade
da pessoa, deve estar ciente de que todas as entidades com quem já conversei até
hoje afirmaram em alto e bom tom que, neste caso, a pessoa retornará para o
Mundo Espiritual, por ocasião da sua morte, no tempo próprio, com uma tarefa
não cumprida.
Poderá ter sido excelente
pessoa em vida, ter realizado grandes coisas, uma alma virtuosa, mas algo que
lhe cabia cumprir, não foi cumprido.
Àqueles que não tem
compromisso com a mediunidade, simplesmente, não nascem com ela. É assim que
sabemos quem deve e quem não deve ser médium.
Leonardo Montes
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