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É certo que o surgimento
destas igrejas inaugura, em nosso país, um capítulo novo da intolerância
religiosa, a ponto de merecer destaque em nosso estudo num capítulo próprio.
Cumpre dizer, contudo, que nem
todas as pessoas deste seguimento pensam e agem como algumas lideranças do
movimento. É importante evitar a generalização para não produzirmos
intolerância por nossa parte... Pois, um dos efeitos de décadas de intolerância
é, justamente, a aversão que o umbandista geralmente tem do evangélico, mas isso é um reducionismo e
precisamos evitá-lo.
A bem da verdade, boa parte do
movimento evangélico não nos incomoda de forma alguma. É certo que não
concordam com nossas práticas e nossas crenças (e não precisam mesmo), porém,
quase sempre, portam-se de maneira educada, focando seus interesses em assuntos de suas próprias igrejas, não causando qualquer aborrecimento ao “povo
de terreiro”.
O movimento que nos incomoda –
e sempre incomodou – é apenas uma fração, se bem que numerosa, distribuída
entre diversas igrejas e que enxergam na Umbanda e nas entidades que se
manifestam em nossas giras os demônios que tanto temem.
A maioria das pessoas que
conheço, sobre este assunto, logo assumem discursos superficiais, como a dizer:
são simplesmente fanáticos, pessoas sem bom-senso, etc. Porém, a causa é mais
profunda...
Embora não seja meu desejo
realizar um estudo aprofundado deste seguimento religioso – com o qual nunca
tive contato pessoal -, penso ser importante compreender algumas de suas
características para construirmos um entendimento em torno do motivo pelo qual
se incomodam tanto com a nossa presença.
Doutrina
O antropólogo Ari Pedro Oro,
num excelente artigo1, destaca algumas características das crenças
deste seguimento:
“O neopentecostalismo
brasileiro reproduz e exacerba a crença no demônio. Especialmente a Igreja
Universal do Reino de Deus – esta igreja que há alguns anos constitui a face
mais visível (e mais polêmica) dos evangélicos – sustenta dois princípios
fundamentais: o primeiro (compartilhado com maior ou menor ênfase por outras
igrejas pentecostais): os demônios são os causadores dos males e problemas de
toda ordem que afetam as pessoas, os elementos perturbadores da "ordem
natural" das coisas ("natural" no sentido daquilo que está
conforme a vontade divina), cujo objetivo é "distrair Deus" (Gomes,
1994: 233-234). Ouçamos as palavras do seu fundador, retiradas do seu livro
"Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios": "Tudo o que
existe de ruim neste mundo têm sua origem em satanás e seus demônios. São eles
os causadores de todos os infortúnios que atingem o homem direta ou
indiretamente". Pág. 03
Em outro momento ele se
questiona, e responde:
"Qual a origem de todos os males que afligem a
humanidade? Doenças, misérias, desastres e todos os problemas que tem afligido
o homem desde que este iniciou sua vida na terra, tem uma origem: o diabo"
(Macedo, 1995: 43)10. Portanto, para a Universal, "O diabo não é somente a
antítese (o arqui-inimigo) de Deus. Ele é a encarnação do Mal; uma presença
constante (e ameaçadora) na vida e no cotidiano das pessoas" (Barros, 1995:
146). E prossegue, com razão, a autora, afirmando que as representações sobre o
diabo "constituem o eixo a partir do qual o universo simbólico desta
igreja é construído". Pág. 03
Logo em seguida, conclui:
“Em segundo lugar (e neste
ponto distinguindo-se das demais igrejas pentecostais), sustenta a Universal
que "a Umbanda, Quimbanda, Candomblé e o espiritismo de um modo geral, são
os principais canais de atuação dos demônios, principalmente em nossa
pátria" (Macedo, 1987: 113). Por isso mesmo, desde a sua fundação, em
1977, essa Igreja conduz um ataque sem trégua, contumaz, radical, contra
àquelas religiões, a tal ponto que esse combate "tornou-se um de seus
principais pilares doutrinários". Pág. 05
Perceba, portanto, que não se
trata, simplesmente, de “fanatismo” ou “falta de bom-senso”, a doutrina
construída pelas igrejas que compartilham essa cosmovisão, identifica nas
entidades espirituais os demônios de sua teologia, o que causa a aversão
costumeira a que estamos habituados.
Lembre-se que, como estudado
no capítulo passado, essas igrejas ganharam popularidade à medida que a Umbanda
decrescia, sendo que muitos adeptos decepcionados com os caminhos tomados por
diversos terreiros, abandonando sua prática definitivamente, migraram para
essas igrejas onde encontraram pastores com um discurso que ia de encontro a
suas frustrações.
Tristemente, boa parte dos
testemunhos dos “convertidos” sobre suas vidas “metidas em macumbarias”, vieram
de pessoas que, realmente, anos antes, batiam cabeça e juravam ceder seus
corpos para a caridade...
Combate
Mais do que simplesmente
identificar e associar os demônios de sua teologia com as entidades da Umbanda,
estas igrejas criaram ferramentas para combatê-los, como a “noite da libertação”,
onde diversos templos organizam cerimônias em que pessoas “endemoniadas”, a
mando do pastor, “recebem” as entidades que as atormentam e que logo se
identificam como: pretos-velhos, caboclos, exus, crianças, etc.
Não é preciso dizer – como
está evidente há tempos – que boa parte destas manifestações são encenações,
por vezes, paga. A estratégia é simples, antiga e eficaz: essas igrejas crescem
à medida que conseguem “materializar” os demônios que tanto temem e os associam
com aquilo que acontece nos terreiros, com as manifestações espirituais.
Oro continua:
“Por sua vez, C. R. Brandão
(1988) percebe uma crescente lógica mercadológica no campo religioso
brasileiro, sendo o ataque pentecostal as religiões afro-brasileiras uma
expressão de concorrência religiosa existente no mercado de bens e serviços
simbólicos. Igualmente, R. Mariano entende que os ataques dos crentes contra os
afro-brasileiros e espíritas ocorrem por serem eles "os maiores
concorrentes no mercado de soluções simbólicas e prestação de serviços
religiosos para os problemas materiais e espirituais dos estratos pobres da
população" Pág. 08
Em resumo: eles atacam os
terreiros por vê-los como concorrentes no “mercado religioso”, tanto é que, não
raro, vemos práticas comuns nos terreiros, como o descarrego, sendo deturpados
e adaptados a lógica destas igrejas (é quase surreal, mas é verdade...).
Legado negativo
Estas igrejas construíram grande poder econômico no Brasil, assumindo o controle de diversos veículos de
comunicação de grande alcance, onde implementaram, por muitos anos, efetivo e
persistente combate a diversos seguimentos religiosos, seja através da fala
preconceituosa de seus líderes, seja pela deturpação de seus princípios e até
mesmo com ataques diretos e nominais às religiões.
Assim, não é difícil imaginar
o que anos e anos de pregações contrárias possam fazer com o imaginário popular
a respeito de Umbanda, Orixás, exus, pombagiras, etc. Basta conversar com
qualquer leigo e, provavelmente, você perceberá que a primeira reação dele será de
assombro, recuo, medo...
Contudo, considero que o
principal legado negativo destas iniciativas foi o de criar um campo propício a
manifestações de violência religiosa que, embora surgidas no contexto das primeiras
igrejas neopentecostais, hoje está muito além de seu alcance, atingindo níveis
alarmantes, principalmente, no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, contudo,
principalmente por conta dos processos sofridos, a Igreja Universal, principal
protagonista destes discursos, após ser condenada na justiça, parece ter
refreados seus impulsos... Contudo, o ódio que ela acendeu no Brasil já vai
para muito longe de suas fronteiras...
Ano passado, o canal National Geographic Brasil, publicou em seu canal um programa chamado: Explore
Investigation – Em Nome de Deus e – confesso – foi a primeira vez na minha vida
que me assustei com o que vi em termos de intolerância religiosa no mais baixo
nível que se possa imaginar.
Veja:
Condenação
Como já vimos em outro
capítulo, em abril de 2018, depois de quinze anos de vai e vem jurídico, a
Record foi finalmente condenada pela exibição de programas que, claramente,
atacavam diversas religiões e demonizavam, especialmente, as entidades que
comumente se manifestam em terreiros de Umbanda.
A notícia causou pouco
impacto, sendo ignorada pela maioria dos meios de comunicação, mas representou
uma grande vitória para todas as comunidades de terreiro.
Nesta condenação, foi acordado
que, além de multa, a emissora deveria produzir quatro programas e transmiti-los
em sua rede como um direito de resposta. Porém, não na Rede
Record, de reconhecimento nacional, mas na Record News, canal menor da emissora,
sendo transmitido pela madrugada, sem obrigatoriedade de incluí-los na grade de
programação...
Os programas foram
transmitidos e já estão disponíveis pela internet. Lideranças do movimento
fizeram uso massivo de suas redes para tentar mobilizar os umbandistas a
compartilhar estes vídeos ao máximo possível, procurando compensar a
tentativa da emissora de escondê-los e minimizar o impacto “negativo” em sua
programação.
Ainda assim, contudo, é igualmente
surpreendente a apatia e desinteresse do umbandista sobre essa questão... As
pessoas que sacudiram o Brasil compartilhando vídeos de “traficantes evangélicos”
destruindo terreiros não tiveram o mesmo empenho em divulgar esta marcante vitória...
Antes de encerrarmos, é bom
dizer que a cúpula religiosa que dirige a emissora não assistiu de braços
cruzados os programas com o direito de resposta: bastou que terminassem para,
logo em seguida, relançarem o best-seller: Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? – Livro que, simplesmente, destila ódio religioso...
O site Gospel Prime noticiou
assim a nova publicação:
“O
relançamento do livro aconteceu na última sexta-feira (2) em 8.773 templos e
catedrais da Igreja Universal do Reino de Deus por todo o Brasil, atraindo
milhares de pessoas.”
A condenação da Record, representou uma vitória importante que deixará todas as demais
emissoras de “orelha em pé”. Contudo, engana-se quem pense que essa “guerra”
chegou ao fim...
Programa 1
Programa 2
Programa 3
Programa 1
Programa 2
Programa 3
Programa 4
O que fazer?
O que fazer?
Tenho aprendido com as
entidades que em todas as situações devemos buscar os ensinos de Jesus,
especialmente, o “dar a outra face”, que não é oferecer um outro lado para ser
batido, mas não “pagar o mal com o mal”.
Precisamos tomar cuidado para
não criarmos intolerância por nossa vez, como em comentários que, vez ou outra,
escutamos entre umbandistas que buscam taxar os evangélicos de loucos,
fanáticos, etc. Não se combate ignorância com ignorância!
Temos uma ferramenta maravilhosa
a nosso favor: a internet. Pela primeira vez na história os umbandistas podem
ser protagonistas de sua história e como quem acredita que “a verdade liberta”,
eu penso que a melhor forma de resistirmos ao ataque religioso seja,
justamente, fortalecendo nossa presença, perpetuando nossos ensinos, produzindo
conteúdos e divulgá-los por todas as formas possíveis, tanto presencialmente nos terreiros, quanto por nossas redes sociais, blogs, sites, etc.
Eu procuro fazer a minha
parte, e você?
Até a próxima aula!
Leonardo Montes
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