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O Espiritismo nasceu na França,
em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Nos doze
anos seguintes, espalhou-se por toda a Europa e América, tendo chegado ao
Brasil bem rapidamente.
A primeira notícia que se tem
do Espiritismo por aqui foi trazida pelo próprio Allan Kardec, quando publicou
um artigo no mês de novembro de 1865, na Revista Espírita, chamado: O Espiritismo no Brasil.
(Será que Kardec imaginava
que, um dia, o Brasil seria a pátria do Espiritismo? É pouco provável...)
Ainda em 1865, em 17 de
setembro, o jornalista Luís Olímpio Teles de Menezes, funda em Salvador – BA,
o: Grupo Familiar de Espiritismo, primeiro centro espírita formalmente
constituído que se tem conhecimento.
No espaço de poucos anos,
vários outros centros são fundados, atraindo a atenção da elite intelectual brasileira
que sempre esperava com certa ansiedade as novidades vindas do “velho mundo”.
Os fenômenos mediúnicos aqui
eram abundantes e os intelectuais, já um tanto distanciados das explicações da
igreja católica, buscavam uma nova forma de lidar com esses fenômenos sem que
fosse preciso recorrer as crenças anímicas dos negros: o Espiritismo caiu como
uma luva!
Contudo, a formação e
consolidação do Espiritismo no Brasil não foi pacífica. Os espíritas logo se
polarizaram em duas frentes que disputavam o controle sobre o crescente
movimento espírita nacional. De um lado os místicos e de outro os científicos.
Os místicos na verdade eram
religiosos e defendiam a doutrina como uma nova religião; os científicos, como
o próprio nome indica, viam no Espiritismo uma nova ciência e queriam afastá-lo
da ideia religiosa.
Esses grupos conviveram
durante um bom tempo com alguma tensão, não raro, se atacando mutuamente pelos
jornais. A cada artigo novo publicado, vinha logo um outro combatendo. Essa
polarização criou muita tensão sobre o novo e frágil movimento.
Os místicos saíram vitoriosos,
principalmente pela liderança e carisma de Bezerra de Menezes, enquanto os
científicos caíram no esquecimento. Desde então, o movimento se consolidou de
forma acentuadamente religiosa, característica que pode ser percebida até os
dias de hoje.
Visando acabar com as tensões
e estender este modelo para todo o país, Augusto Elias da Silva, criador do
jornal espírita “O Reformador”, promoveu um encontro entre líderes espíritas na
capital, Rio de Janeiro, e juntos fundaram a Federação Espírita Brasileira
(FEB) em 1884, ativa e atuante até os nossos dias.
Modelo religioso
Quem conhece a obra de Allan
Kardec percebe, claramente, que o movimento feito no Brasil se assemelha muito pouco ao modelo francês (isto não é uma crítica, mas um fato) que era,
sobretudo, de caráter filosófico e pouco religioso.
A FEB, por outro lado,
instituiu um modelo que falava às massas, especialmente, pelo
trabalho caritativo exercido e incentivado por ela desde o princípio.
O Espiritismo caiu no gosto
popular e foi se desenvolvendo muito aceleradamente por aqui (Emmanuel viria a dizer, na década de 1970, que muitos espíritas franceses reencarnaram no Brasil
para alavancar o movimento por aqui).
O rápido crescimento (como
aconteceu com a Umbanda) teve suas desvantagens: muitos centros foram criados,
mas poucos tinham estrutura doutrinária para funcionar. A inserção de
“práticas estranhas” e a difusão de conceitos errôneos se espalhou por toda
parte.
Além do mais, as entidades
federativas estaduais viviam em conflito umas com as outras e com a matriz,
FEB. A desorganização chegou a tal ponto que alguns líderes espíritas
preocupados com o rumo do movimento mobilizaram forças por todo o Brasil no
sentindo de conscientizar outras lideranças sobre a importância de unirem suas
forças.
Em outubro de 1949, foi
assinado o “Pacto Áureo”, um acordo entre as entidades federativas estaduais
visando unificar o movimento espírita. Foi graças a este pacto que o movimento
alcançou a “uniformização” que vemos hoje na maioria dos centros espíritas.
Popularidade
O Espiritismo caiu no gosto
popular. Era uma religião vinda da Europa, especialmente da França, país que
gozava de muito estima na época. A elite intelectual aderiu, os livros foram
publicados, o povo adorou. Os trabalhos de caridade, o receituário mediúnico,
as psicografias, chamaram a atenção de todo mundo.
Conceitos como mediunidade, reencarnação,
vida após a morte, que já eram de interesse dos brasileiros, passaram a ter uma
explicação lógica, sensata, baseada em fatos e com argumentos sólidos trazidos
pelo Espiritismo.
Assim, a doutrina se enraizou
de forma tão profunda que mesmo pessoas de outras crenças, não raro, acreditavam
em seus princípios, embora não a professassem.
O Espiritismo se difundiu
tanto que se tornou sinônimo de Espiritualismo. Assim, ao invés de se dizerem
espiritualistas, as pessoas que de alguma forma tinham alguma crença na
existência de algo além da matéria diziam-se espíritas. Tudo que
envolvia mediunidade ou espíritos passou a ser chamado de Espiritismo, mesmo
sem o ser, de fato.
Essa visão, de certa forma,
foi embasada pelo próprio Kardec, quando escreveu em O Livro dos Médiuns que o
espírita era aquele que “crê na manifestação dos espíritos”.
Este conceito, generalizando-se
pelo Brasil, trouxe inúmeros inconvenientes, pois muitos brasileiros
acreditavam na manifestação dos espíritos sem necessariamente serem adeptos do
Espiritismo. Assim, cartomantes passaram a se dizer espíritas; umbandistas
passaram a se dizer espíritas e praticamente qualquer pessoa com qualquer
ligação espiritual passou a se definir como espírita e isso é perceptível
ainda hoje.
O problema é que na época em
que Kardec escreveu suas obras não havia nenhum seguimento que pudesse se
apropriar deste conceito, já que havia basicamente apenas as igrejas cristãs na Europa. Aqui,
porém, a história foi outra...
Esta é uma das razões pelas
quais muitos terreiros de Umbanda se dizem centros espíritas... Contudo,
voltaremos a este assunto mais tarde.
Espiritismo X Umbanda
Uma das coisas que mais me
impressionou quando comecei a estudar sobre a Umbanda foi conhecer as ligações
que a mesma possuía com o Espiritismo... Mesmo tendo permanecido tanto tempo no
meio espírita e estudado tão bem sua história, eu nunca havia lido sequer um
autor espírita que mencionasse uma ligação histórica entre Espiritismo e
Umbanda.
E, com pesar, devo dizer que
acredito isso tenha ocorrido de forma proposital. Não interessava aos líderes
espíritas na época ter o movimento associado com qualquer outra prática
religiosa, especialmente a Umbanda, que ao fazer uso de elementos de trabalho,
sempre causou abominação aos espíritas mais conservadores.
Contudo, não podemos pensar
nesta recusa apenas como preconceito. É preciso recordar que estes líderes
batalharam muito para que a doutrina fosse conhecida pela massa, tolerada pela
igreja e aceita pelos intelectuais.
Obviamente isso não era fácil e não os
ajudava em nada ter que lidar com uma multidão de pessoas que se definiam como
espíritas e chamavam suas instituições de centros espíritas sem, de fato,
atuarem conforme o modelo espírita e, especialmente, o modelo religioso do
Espiritismo no Brasil.
É claro que houveram outras
razões para os umbandistas se definirem como espíritas, contudo, abordaremos
isto em outro momento.
Influências
As principais influências do
Espiritismo sobre a Umbanda foram em relação aos estudos sobre mediunidade,
reencarnação e moral cristã. O próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas, através
do regimento interno da Tenda Nossa Senhora da Piedade, recomendava o estudo
de: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, todos de Allan Kardec.
E, certamente, o Caboclo sabia
o que estava fazendo, já que estas obras são, realmente, essenciais para o
estudo da mediunidade, reencarnação, vida após a morte e também do evangelho,
não sendo superadas ainda hoje. Aliás, o próprio termo “médium”, amplamente
usado no meio umbandista é uma herança direta da influência espírita.
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As primeiras casas de Umbanda
trabalhavam de forma bem diferente do que se verifica hoje, sendo comum que
houvesse uma grande mesa central onde os médiuns recebiam os obsessores antes
das consultas, num molde muito semelhante ao que se fazia nas sessões espíritas
públicas do início do século XX. Gradativamente, contudo, esse modelo foi
desaparecendo, de forma que restam poucas casas que trabalham assim,
atualmente.
A Umbanda trilhou um
caminho de assistência aberto pelos centros espíritas que, desde
fins do século XIX, promoviam sessões públicas, sejam de desobsessão ou de
receituário mediúnico. Quando a Umbanda efetivamente surgiu, o brasileiro já
estava mais ou menos habituado com as sessões mediúnicas públicas, inauguradas
pelos centros espíritas, quarenta anos antes.
Revelação Espiritual
As entidades sempre me
ensinaram que não há barreiras para se fazer o bem. Que muitos espíritos que se
manifestam tipicamente na Umbanda podem se manifestar onde se faça necessário, adaptando, claro, sua forma de trabalho, de modo que as fronteiras humanas não incidem sobre as liberdades espirituais.
Por esta razão, muitos
pretos-velhos e caboclos, por exemplo, atuam em centros espíritas e entidades
que comumente estão ligadas ao Espiritismo também se manifestam na Umbanda
auxiliando onde seja possível. Isso não se restringe à relação
Umbanda/Espiritismo: os bons espíritos auxiliam onde quer que haja necessidade!
Esse intercâmbio espiritual,
naturalmente, aproximará ambas as religiões, o que já tem acontecido, aliás. Eu
mesmo me desenvolvi numa casa que era, claramente, meio espírita, meio
umbandista e não raro converso com pessoas que atuam em casas onde se trabalha
com as duas correntes, embora o façam em dias separados.
Porém, deixo claro que não
acredito, propriamente, na umbandização dos centros espíritas ou na
espiritização dos terreiros. Acredito que essa aproximação cultural favorece o
aparecimento de uma terceira via, de casas mistas, que serão responsáveis por
quebrar as barreiras de gelo que envolvem as duas religiões que, no fundo,
podem ser consideradas religiões-primas.
O Velho sempre me ensinou: O Espiritismo precisa ser menos rígido e a
Umbanda mais pé no chão.
Conclusão
No estudo passado, vimos que
uma das vias de influência sobre a Umbanda foram os Candomblés, especialmente
as nações Ketu/Angola através das Macumbas. Hoje, conhecemos a segunda grande
via de influência sobre a religião, que foi o Espiritismo, através de seus
estudos sobre a mediunidade, reencarnação e dos evangelhos.
No próximo estudo, conheceremos a
última grande via de influência (houveram outras menores), que foi o
sincretismo com o Catolicismo. Estas três influências: africana, espírita e
católica, foram fundamentais para delinear a Umbanda e é por esta razão que
considero inadequado se referir a mesma como uma religião afro-brasileira, pois a
contribuição do Espiritismo e do Catolicismo foram fundamentais pra estrutura-la.
Ao invés disso, prefiro dizer:
religião brasileira! Onde crenças afro, espíritas e católicas se encontraram e
deram-se as mãos em prol de um bem maior!
Até a próxima aula.
Leonardo Montes.
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