CURSO BÁSICO DE UMBANDA - CAP. 48 - GRAUS DE CONSCIÊNCIA


Imagem do google
O que acontece com o médium quando ele incorpora? Ele apaga, dorme, continua vendo tudo? É sobre isso que vamos falar hoje.

Funções mentais

Para que possamos agir livremente neste mundo, precisamos contar com um bom cérebro. Este, pode ser entendido como um valioso computador que nos permite sentir e analisar o mundo a nossa volta, nos dando a capacidade de interagir com tudo que nos cerca.

Entre as principais funções mentais, podemos destacar: atenção, sensação, percepção, pensamento, memória, consciência, etc.

Como se pode notar, por estes breves exemplos, nosso cérebro é capaz de analisar tanto estímulos internos quanto externos para que possamos nos orientar no mundo em que nos encontramos.

Perceba que consciência e memória são funções mentais distintas. A consciência nos permite a lucidez da experiência que vivenciamos, enquanto a memória garantirá que deixemos algum registro dessa experiência arquivada.

Contudo, mesmo sendo funções distintas, elas se entrelaçam e se cruzam, por que o cérebro trabalha como um todo. No futuro, os estudiosos em matéria de mediunidade terão condições de analisar este fenômeno e suas implicações nas diversas funções mentais.

Transe mediúnico

Durante a incorporação, o médium entra no que se convencionou chamar de “estado alterado de consciência”, quando há profundas alterações no funcionamento psíquico do sujeito, durante um determinado período, geralmente, do contexto mediúnico em que ele se encontra.

Todo médium entra em transe. Porém, a “profundidade” deste transe varia de acordo com cada médium e mesmo de acordo com as circunstâncias do momento.

Em geral, os médiuns de incorporação se definem como: conscientes, semiconscientes ou inconscientes. Existem alguns estudos científicos que buscam entender essas variações dos níveis de consciência durante as atividades mediúnicas.

Conscientes

Atualmente, cerca de 90% dos médiuns são conscientes. Nesta modalidade de transe mediúnico, o médium sente um leve torpor percorrer o seu corpo, notando profundas alterações em sua postura corporal, embora ainda tenha controle sobre seus movimentos, pensamentos e fala, sentindo como se uma voz lhe guiasse os movimentos e impulsionasse seus pensamentos.

É, portanto, o gênero mais comum de incorporação na atualidade em todas as correntes espiritualistas, não sendo, portanto, uma exclusividade da Umbanda.

De modo geral, o médium consciente age como alguém que é guiado por uma força oculta, como se, no momento do transe, a entidade sussurra-lhe ao pé do ouvindo o que deveria fazer ou falar.

Assim, embora comum, este gênero de mediunidade implica alguns desafios pois, com frequência, boa parte dos médiuns se sentem inseguros, demorando bastante tempo para discernir o que sejam pensamentos/impulsos seus e pensamentos/impulsos dos guias espirituais.

Durante o transe, têm a impressão de que são eles mesmos que falam, gesticulam e agem, o que faz com que muitos se frustrem em relação à própria mediunidade, pois imaginavam que seriam tomados pelo espírito...

Ao fim do transe, costumam reter integralmente o que viram e ouviram durante as consultas, guardando viva memória de tudo que foi dito na gira, o que exige destes médiuns sempre um posicionamento ético bastante claro (não se deve levar nada para fora do terreiro).

Semiconscientes

Cerca de 9% dos médiuns são semiconscientes. Neste tipo de transe, o médium ainda têm a percepção da realidade ao seu redor, observando tudo que acontece durante o trabalho mediúnico, porém, com controle motor severamente reduzido, embora ainda possa intervir nos movimentos e nas falas das entidades, encontra-se como alguém “desapropriado” do próprio corpo que passa a agir independentemente da sua vontade.

Enquanto o médium consciente é guiado por uma voz interna ou uma vontade súbita que lhe diz o que fazer: levanta, agacha, pega isto, pega aquilo, no transe semiconsciente o médium simplesmente faz essas coisas sem que necessariamente ter a impressão que alguém lhe dirige. Pode mesmo estar pensando em outras coisas e observar seu corpo agindo “sozinho”.

Neste tipo de transe, o guia possui um maior controle corporal do médium e maior capacidade de expressão, embora ele ainda esteja ciente de tudo que ocorre ao seu redor, praticamente assiste o trabalho como alguém que estivesse sentado no banco do passageiro, enquanto outra pessoa dirige o carro.

Ao fim do transe, geralmente retêm na memória apenas partes dos atendimentos, sendo comum que ocorra embaralhamento das suas lembranças ou episódios de completo esquecimento do que foi dito em determinado período.

Inconscientes

Apenas 1% dos médiuns são inconscientes na atualidade. Neste tipo de transe, o médium tem pouquíssimo contato com a realidade. Encontra-se na situação de alguém que dorme ou que desmaia (pois a sensação da perda de consciência é semelhante a de um desmaio).

Neste tipo de transe, o guia tem controle quase absoluto do corpo do médium, agindo e falando livremente, praticamente sem interferência do próprio médium.

Este tipo de transe, ao permitir que a entidade se manifeste mais livremente, é o que mais contribui para obtenção de provas convincentes e mesmo irrefutáveis para quem se consulta, pois as entidades conseguem falar de forma direta com o consulente sem sofrer castração de suas ideias pela insegurança do médium, que pode influir decisivamente no que é dito ao consulente nos demais tipos de transe.

Quando retornam do transe, os médiuns geralmente não se recordam de nada do que foi dito na consulta. Contudo, eventualmente, podem se lembrar, principalmente quando os guias querem que aprendam algo, o que faz com que muitos médiuns inconscientes fiquem confusos, pois julgam que necessariamente eles nada deveriam recordar.

Entretanto, lembra-se que, no começo do texto, eu disse que consciência e memória são funções mentais distintas? Acredito que os estudiosos da mediunidade no futuro perceberão que em algumas situações, os médiuns inconscientes sejam capazes de se recordar de algo ocorrido durante o transe sem, necessariamente, estarem conscientes, justamente, por que memória e consciência são funções mentais distintas.

Variabilidade

Embora eu tenha dito que 90% dos médiuns sejam conscientes, 9% semiconscientes e apenas 1% inconscientes, é preciso dizer que existem muitos graus entre um estado e outro e que embora os médiuns possam, de fato, ser agrupados nestas três categorias no que se refere à experiência do transe, é preciso não esquecer que ela pode variar em intensidade e mesmo em graus, dependendo da necessidade.

Para abordar este assunto de forma mais clara, trarei meu próprio exemplo pessoal.

Eu já tive experiências, como médium consciente, em que sentia o transe fraco, quase por um fio e já tive experiências que, mesmo consciente, sentia o transe forte o suficiente para fazer "a carne pular", como se costuma dizer.

Na imensa maioria das vezes em que atuei incorporado, eu certamente seria encaixado na categoria dos médiuns conscientes. Contudo, no último ano, tenho tido experiências que variam entre conscientes/semiconscientes, sendo comum que eu comece o transe de maneira consciente e gradativamente me torne semiconsciente.

Apenas uma vez tive, repentinamente, a experiência da inconsciência e não foi nada agradável, justamente, pela sensação de desmaio que, chegando repentinamente, me deu a impressão de que estava passando mal...

Assim, embora realmente a maioria dos médiuns se encaixe numa dessas categorias, pode ser que, às vezes, ela varie e pode mesmo acontecer que mude, tanto um médium consciente pode se tornar inconsciente quanto um inconsciente pode se tornar consciente.
Depende muito da tarefa espiritual de cada um, mas acontece.

Insegurança

Os médiuns conscientes, pelo gênero de sua mediunidade, sofrem terrivelmente com a insegurança, justamente, por que imaginavam que simplesmente “apagariam” e que o guia viria para tudo fazer.

Assim, não é incomum desejarem perder a sua consciência ou mesmo se frustrarem com a profundidade do próprio transe.

Se, a princípio, a insegurança surge como fator preponderante nesta modalidade, ela logo deixa de importar se o médium for uma pessoa segura, disciplinada e com fé robusta, porém, tende a persistir se o médium for, ao contrário, uma pessoa insegura, indisciplinada ou de fé vacilante.

O fato, contudo, é que todo médium, em maior ou menor grau, experimentará inseguranças e incertezas, isso faz parte do processo de aprendizado mediúnico.

A este respeito, é preciso dizer o seguinte: quanto mais o médium trabalha, mais seguro ele se torna, mesmo que continue sempre consciente. É o que o “Velho” sempre me ensinou: não é a consciência que você precisa perder, mas a fé que precisa ganhar.

Não importa o grau de consciência

Você deve estar pensando que seria muito melhor se todos os médiuns fossem inconscientes e que o médium consciente mais atrapalhado que ajuda, certo? Porém, não é bem assim.

Realmente, o médium inconsciente, por não interferir diretamente no que a entidade faz ou fala, é capaz, por isso mesmo, de produzir fenômenos muito impressionantes, quando as entidades dizem coisas extremamente pontuais e certeiras sobre o consulente, vou dar um exemplo:

Certa feita eu estava angustiado com uma situação cujo desfecho afetaria profundamente a minha vida. Antes de sair de casa, para o terreiro, lembro-me de ter contemplado a lua cheia e com toda a força da minha fé, enderecei uma oração/pedido de ajuda, a uma cabocla por quem tenho muito respeito, dizendo-lhe mentalmente a razão da minha angustia. A médium nada sabia.

Chegando no terreiro, tão logo o trabalho se inicia (era uma gira de pretos-velhos), a referida médium recebe a cabocla que, pedindo licença ao trabalho da noite, fez um sinal para que eu me aproximasse, dizendo:

- Filho, eu escutei a sua oração e o conselho da cabocla sobre o que você me pede é este.

Eu fiquei impressionado. Não era dia dela se manifestar, mas atendendo ao pedido que lhe fiz, ela veio e me orientou exatamente sobre o que eu queria saber de forma certeira e precisa.

A médium era inconsciente. Contudo, se fosse consciente, isso seria possível?

A resposta é: sim, seria possível, embora improvável.

Isso porque o médium inconsciente, justamente por não intervir diretamente na manifestação, deixa a entidade agir livremente. Já o médium consciente, principalmente o inseguro, censura o tempo todo o que a entidade vai dizer, passando apenas aquilo que julga adequado.

No caso em questão, mesmo que o médium consciente sentisse a vibração da cabocla, em um trabalho de preto-velho, ele provavelmente julgaria que estava sentindo errado, forçando a entidade a se afastar e inviabilizando a consulta nestes termos.

Logo, o problema não é, exatamente, o tipo de transe mediúnico, mas a segurança do médium em transmitir corretamente o que o guia deseja transmitir.

Em outro exemplo:

A entidade manifestando-se em um médium inconsciente chama o cambone, entrega-lhe uma rosa e diz:

- Dê para sua tia Fátima, dizendo-lhe que as dores logo passarão.

Num médium consciente, a entidade diria a mesma coisa. Mas, racionalizando, em milésimos de segundo, o médium se pergunta: ele tem uma tia chamada Fátima? E se não tiver?

Então, cerceia o que a entidade gostaria de dizer e apenas fala:

- Dê para sua tia (sem citar o nome, barrado pela insegurança) e diz que suas dores logo passarão.

Percebem? Não é questão de ser consciente ou inconsciente, mas de ter fé em Deus e nos próprios guias!

Revelações espirituais

Intrigado com esses dramas mediúnicos, conversei exaustivamente com os guias sobre isso e o que me revelaram foi o seguinte:

A inconsciência na incorporação era característica comum dos médiuns no início do século passado, tanto no Espiritismo quanto na Umbanda, pois estes médiuns eram pessoas de “rija têmpera”, chamados a desempenhar um papel muito difícil, num mundo ainda cercado de preconceitos.

Cabia aos guias destes médiuns abrirem caminhos espirituais na Terra, o que exigia maior domínio sobre os corpos dos mesmos para que os fundamentos e as diretrizes de cada movimento fossem muito bem delineados.

Com o correr dos anos, conforme houve expansão das religiões em diversos agrupamentos por todo o Brasil, tendo solidificado cada um destes movimentos, houve uma modificação no processo mediúnico: diminuíam-se cada vez mais os inconscientes e aumentavam-se cada vez mais os conscientes.

Entendia a espiritualidade que, por um lado, a inconsciência favorecia a manifestação espiritual, contudo, privava o médium da vivência, do aprendizado e da experiência e já que as grandes linhas espirituais estavam solidificadas, não havia mais razão para manter os trabalhadores espirituais em estado de inconsciência.

Era comum o médium inconsciente nada saber (e é daqui que vem a aversão ao estudo de algumas casas), pois o médium entrava em transe, a entidade vinha, fazia tudo e ao final, cabia ao médium simplesmente seguir as orientações que o guia deixava com o cambone e pronto.

O médium não tinha experiência alguma no terreiro, não aprendia com a dor do consulente, não conseguia ouvir de seus próprios guias os conselhos dados e que poderiam lhe ser úteis, igualmente.

Em suma: o papel do médium era incorporar, apenas.

Atualmente, o quadro é diverso. O médium é chamado a ser parceiro da entidade, partícipe do trabalho, desempenhado em dupla: entidade/médium. À medida que aprende, o médium encontra valiosos recursos para modificar a si mesmo, tornando-se uma pessoa melhor, mais conscientizado de seu papel no mundo, um verdadeiro porta-voz da religião por si mesmo. Os caminhos espirituais já estão solidificados na maioria das religiões, cabendo apenas aos médiuns seguirem as diretrizes estabelecidas em cada culto.

Perguntei-lhes o motivo de ainda existirem médiuns inconscientes, então. E o que me responderam foi o seguinte:

Desses 1% de médiuns que ainda são inconscientes, a maioria o são por falta de opção. São pessoas de temperamento difícil que se não fossem “apagadas” durante o transe mediúnico, não conseguiriam trabalhar uma única gira sequer.

Devo dizer que concordo. 

Dos três médiuns inconscientes que já conheci nesta vida, todos são pessoas de temperamento muito complicado, convivência difícil e eles mesmos diziam que se não fossem inconscientes, não trabalhariam de forma alguma na mediunidade.

Os poucos médiuns inconscientes que não se encaixariam nesta descrição são aqueles a quem cabe desempenhar uma tarefa muito específica, uma espécie de missão em determinado contexto que exija maior domínio das entidades para sua realização.

Até a próxima aula!

Leonardo Montes

Deixe um comentário