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A república nascera em 1889 e,
no ano seguinte, aprovara o famoso Código Penal de 1890, inspirado na
constituição dos Estados Unidos, mas severamente criticado por diversos
setores. Sobre o referido código, vamos pensar sobre os artigos 157 e
158, responsáveis por reforçar estereótipos negativos sobre as “religiões mediúnicas” e toda forma de espiritualidade livre.
Contudo, como nosso curso
básico procura oferecer elementos para uma melhor compreensão da Umbanda, vamos
analisar e refletir com o máximo de isenção possível, pois é tentador quedarmos
para o vitimismo, justificando as repressões apenas e tão somente como formas
institucionalizadas de preconceito.
Os
artigos
Os artigos 157 e 158 do Código
Penal de 1890, dizem:
“Art.
157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de talismans e
cartomancias para despertar sentimentos de odio ou amor, inculcar cura de
molestias curaveis ou incuraveis, emfim, para fascinar e subjugar a credulidade
publica: Penas - de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a
500$000.
§
1º Si por influencia, ou em consequencia de qualquer destes meios, resultar ao
paciente privação, ou alteração temporaria ou permanente, das faculdades
psychicas:
Penas
- de prisão cellular por um a seis annos e multa de 200$ a 500$000.
§
2º Em igual pena, e mais na de privação do exercicio da profissão por tempo
igual ao da condemnação, incorrerá o medico que directamente praticar qualquer
dos actos acima referidos, ou assumir a responsabilidade delles.
Art.
158. Ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno
ou externo, e sob qualquer fórma preparada, substancia de qualquer dos reinos
da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o officio do denominado curandeiro:
Penas
- de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000.
Paragrapho
unico. Si o emprego de qualquer substancia resultar á pessoa privação, ou
alteração temporaria ou permanente de suas faculdades psychicas ou funcções
physiologicas, deformidade, ou inhabilitação do exercicio de orgão ou apparelho
organico, ou, em summa, alguma enfermidade:
Penas
- de prisão cellular por um a seis annos e multa de 200$ a 500$000.
Si
resultar a morte:
Pena
- de prisão cellular por seis a vinte e quatro annos.”
Este código foi decretado por
Deodoro da Fonseca e seus ministros que viam a necessidade de reformar o código
penal brasileiro, não apenas para romper, em definitivo, os laços com o período
monarquista, mas para que o Brasil entrasse, efetivamente, numa nova fase.
Você consegue imaginar como
este código tornou a vida dos espíritas, candomblecistas e macumbeiros,
difíceis? A Umbanda ainda não havia nascido, mas as religiões que a
influenciaram, sim.
A esta altura do nosso estudo,
você deve ter compreendido que séculos e séculos de desvalorização da cultura
do índio e do negro foram responsáveis por gerar um sentimento de negatividade
em torno de suas práticas, o que persiste até hoje. Some isto ao poderio da
igreja católica que, tanto na monarquia, quanto na república nascente, fora muito
influente, apesar dos ares de liberdade e modernidade com que a república foi
desenhada.
Lembre-se que estudamos (Cap.
07) que a confusão em torno do que era Espiritismo, fez com que praticamente
todas as pessoas que exerciam alguma atividade espiritual se definissem como
espíritas. Assim, quando o código afirma que a prática do Espiritismo estava
proibida, ele se referia a todas as “religiões mediúnicas” e a qualquer tipo de
prática espiritual que não fosse as igrejas cristãs.
Contudo, se avançarmos no
estudo do referido código, encontraremos alguns artigos que parecem verdadeiros
paradoxos, como o artigo 185, que diz:
“Art.
185. Ultrajar qualquer confissão religiosa vilipendiando acto ou objecto de seu
culto, desacatando ou profanando os seus symbolos publicamente: Pena - de
prisão cellular por um a seis mezes.”
Você deve estar pensando que
as pessoas que fizeram este código não sabiam muito bem o que estavam fazendo,
não é? Afinal, como eles podem criminalizar práticas religiosas e ao mesmo
tempo dizer que qualquer ultraje às religiões seria passível de prisão?
A resposta, contudo, é muito
simples: Eles não viam o Espiritismo,
Candomblé, Macumba, etc., como religiões. Viam como práticas negativas,
arraigadas, primitivas, desrespeitosas, indecentes e cabia-lhes erradica-las.
Religião, mesmo, apenas o Catolicismo, Protestantismo e, talvez, alguma das
grandes confissões como o Judaísmo ou Islamismo.
Este código não inventou o
asco às “religiões mediúnicas” ou às práticas adivinhatórias, ele apenas a
institucionalizou, traduzindo o sentimento da maioria da população que não via
(como ainda hoje) as religiões fora das tradicionais com bons olhos (apesar de,
hipocritamente, sempre as buscarem).
O código, portanto, ofereceu
legalidade às repressões que sempre existiram e inauguraram um período sombrio
para todas as práticas espirituais por 50 anos a partir da sua publicação.
Alto
e baixo Espiritismo
Lembre-se que, no Brasil, o
Espiritismo começou entre as camadas mais altas da sociedade, atraindo a
atenção de pessoas com algum poder de influência social e política. Essas pessoas se uniram, não
para se opor ao código penal, mas para que não associassem o Espiritismo com
outras práticas. O jornal O Reformador
(da Federação Espírita Brasileira), publicou uma matéria, da qual podemos
extrair o seguinte trecho:
“Hoje,
até na imprensa profana já se procura distinguir o verdadeiro do falso
espiritismo, já se compreende que a doutrina espírita, como todos os demais
credos, teorias e ciências, é susceptivel de falsificações (...) (Reformador,
16 jul. 1919)”. [1]
É neste contexto que surge,
pelos meios jornalísticos, as expressões “alto e baixo Espiritismo”. O “alto
Espiritismo” era o Espiritismo propriamente dito, popularmente chamado de
Kardecismo ou Mesa Branca e o “baixo espiritismo” eram os Candomblés, as
Macumbas, o Catimbó e todas as demais “religiões mediúnicas”.
Gradativamente, especialmente
pelo apoio político e pelo trabalho social caritativo, a FEB conseguiu
demonstrar que suas práticas nada tinham a ver com as dos demais grupos,
assim os centros espíritas foram deixados em paz.
É importante registrar que,
sim, o Espiritismo sofreu perseguições policiais e, sim, muitos dirigentes de
centros foram presos. Contudo com apoio da FEB, este quadro mudou
completamente, promovendo certo respeito das instituições políticas em relação
às práticas espíritas. Já as religiões afro-brasileiras continuariam a serem
perseguidas, aberta ou veladamente, até meados do século XX.
Infelizmente, a FEB e demais
lideranças dos centros espíritas perderam a oportunidade de usar da sua força
social e política para, de alguma forma, intervir a favor da liberdade de culto...
Ao contrário, a estratégia adotada foi de isolamento, distanciamento das demais
práticas religiosas. É deste período que nasce o receio que, normalmente, o
espírita tem das práticas afro-brasileiras, não conseguindo vê-las, senão, como
primitivas e inferiores. Certo, há exceções!
Adendo:
Recentemente assisti a uma palestra proferida pela professora Valquíria Velasco, abordando as perseguições policiais no Rio de Janeiro entre 1890 e
1929 e posso dizer, com sinceridade, que tomei um baita susto quando ela
afirmou que, em algum momento, as delegacias de polícia começaram a cruzar
informações com a FEB para saber se as pessoas presas eram mesmo espíritas ou
não. Se a FEB dissesse que sim, eram liberadas. Se disse que não, continuavam
presas. Eu nunca li isso em lugar algum, assim, espero um dia poder ler a
pesquisa sobre isso, pois certamente é um detalhe “esquecido” da história e que
suscitará muitas análises...
Olhando
para dentro
É claro que seria bem mais
fácil tratar essas perseguições como, simplesmente, frutos da ignorância, do
desrespeito, do desvalor e da criminalização das práticas de “baixo
espiritismo”, porém, é preciso reconhecer que muitas pessoas desestruturadas,
sem formação religiosa adequada também se aproveitaram (como sempre foi comum)
para exercerem as suas práticas nefandas.
Ao lado de pessoas que
buscavam exercer sua religiosidade de forma serena e tranquila, haviam casas
que batiam tambores a noite inteira, o que certamente incomodava os vizinhos
que denunciava à polícia que, amparada pelo código penal, prendia àquelas
pessoas e fechava a casa.
Ao lado de pessoas que
exerciam suas práticas de forma respeitosa, haviam aqueles que não se
intimidavam em sacrificar animais e deixá-los nas encruzilhadas.
Ao lado de pessoas que
procuravam fortalecer a sua fé religiosa em devoção ao seu Santo/Orixá/Inquice/Vodum,
haviam aqueles que usavam da sua religiosidade para ameaçar, amedrontar e até
mesmo prejudicar alguém em troca do “vil metal”.
Ao lado dos curandeiros que
benziam e curavam com ervas, haviam mercadores do sagrado sempre dispostos a
vender fórmulas mágicas para encher seus bolsos.
Ao lado dos médiuns
receitistas que recebiam, dos médicos espirituais, receitas de remédios
alopáticos, fitoterápicos ou homeopáticos, haviam outros tantos que recebendo vento, também queriam receitar
sem condições mediúnicas para isto.
Portanto, ao lado de pessoas
sérias e respeitosas, sempre houveram pessoas desestruturadas, exercendo
práticas estranhas que serviam de fomento ao preconceito e a discriminação que
sempre existiram, mas eram frequentemente reforçados a cada vez que um novo
absurdo se apresentava na “praça”.
Conclusão
O Código Penal de 1890, ao
criminalizar as “religiões mediúnicas” e demais práticas espirituais,
institucionalizara o preconceito e a discriminação. Some-se isto às condenações
públicas que a igreja católica promovia, os terreiros que eram apedrejados, os
dirigentes presos, os jornais sensacionalistas e as pessoas desequilibradas que
exerciam publicamente suas tarefas espirituais e o resultado será um contexto
tenso e sombrio.
Daí a importância de conhecer
este código, pois quando a Umbanda surge, em 1908, ele estava em pleno vigor,
reforçando um estigma social que apenas em meados de 1950 é que perderia força.
Referência
1 - GIUMBELLI, Emerson. O
"baixo espiritismo" e a história dos cultos mediúnicos. Horiz.
antropol., Porto
Alegre , v. 9, n. 19, p. 247-281, July 2003 .
Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832003000100011&lng=en&nrm=iso>.
access on 25 May 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832003000100011
Até a nossa próxima aula!
Leonardo Montes
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