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É
importante destacar antes de efetivamente começarmos este capítulo, que meu
intuito ao abordar os Candomblés (no plural), é apenas o de construir um
“caminho histórico” até a Umbanda. Não pretendo – e nem poderia – fazer um
estudo aprofundado sobre essa religião, pois me faltariam elementos para isso.
Ainda
assim, contudo, encontraremos neste estudo alguns apontamentos interessantes e
importantes sobre a constituição desta religião que tanto influenciou e
influencia a Umbanda ainda hoje.
Vamos
recordar (conforme estudamos nos capítulos 3 e 4), que a escravidão negra no
Brasil durou mais de 300 anos e que vieram para o Brasil povos oriundos de
diversas nações, falantes de diversos idiomas e tendo as mais diversas crenças
religiosas.
Em
nossas terras, essas pessoas foram misturadas e separadas, espalhadas pelo
Brasil, amontoadas em senzalas, sendo obrigadas a reconstruírem suas vidas
agora na condição de escravas.
Estudamos,
também, que essas mesmas pessoas resistiam de diversas maneiras, sendo a
religiosidade uma delas.
Conforme
correram os anos, as religiosidades vindas da África se mesclaram entre si, absorvendo
influências deste ou daquele seguimento, bem como também das crenças católicas
e indígenas, dando origem ao sincretismo que, ao que tudo indica, surgiu por
imposição, mas sobreviveu por que se transformou em cultura.
Assim,
desde que os negros tiveram alguma liberdade para exercer a sua religiosidade,
nasceram os Candomblés.
Não
é possível estabelecer uma data ou um marco inicial, pois se trata de uma
religião constituída ao longo das gerações num período em que ninguém se
interessou por registrá-la.
Entre
as diversas religiosidades desenvolvidas no Brasil, destacam-se, por terem
maior número de adeptos: O Candomblé Ketu, Angola e Jeje. Estas são as três
maiores tradições, mas não as únicas.
É
por esta razão que, particularmente, prefiro falar em Candomblés, no plural e
não no singular, haja vista estas três grandes nações possuírem
particularidades bem distintas uma da outra, compartilhando como traço comum o
fato de serem matrizes religiosas que vieram da África por meio dos escravos,
apenas.
Contudo,
para facilitar o estudo, manterei o termo no singular.
Candomblé
Não
existe Candomblé na África. O que existia à época da escravidão (e ainda hoje),
são religiões de povos que há centenas de anos viviam naquelas localidades que
deram origem ao tráfico de escravos.
Assim,
se viajássemos para Nigéria, por exemplo, não encontraríamos por lá um tipo de
“Candomblé raiz”, mas uma religiosidade bem diferente, embora com traços comuns
ao Candomblé Ketu, que foi formado por povos que vieram para o Brasil
da região que, hoje, chamamos de Nigéria. Portanto, o Candomblé, enquanto
fenômeno religioso, é uma característica puramente brasileira.
Os
escravos trazidos para a América, no mesmo processo de mistura étnica e
religiosa que caracterizou o Brasil, também foram responsáveis por formar
outros troncos religiosos em todo o continente, como por exemplo: Vodu (no Haiti), Santeria (Cuba), Obeah
(Jamaica), etc.
Essas
religiões surgiram do encontro entre culturas religiosas de escravos vindos de
vários países com a cultura de povos nativos. Por esta razão, são chamadas de
religiões afro-americanas e não, propriamente, de Candomblés.
Bem
entendido isto, sigamos.
A
palavra Candomblé vem do quimbundo Candombe
(dança com atabaques) e ilê (casa).
Assim, Candomblé seria a “casa em que se dança com os atabaques” ou algo
semelhante.
O primeiro registro que se tem notícias sobre essa religião é uma carta de Frei
Antônio de Guadalupe, visitando Minas Gerais, em 1726. No entanto, é provável
que, bem antes disso, já houvessem essas manifestações religiosas, se bem que
ainda não completamente organizadas. Somente em meados do século XIX é que as
casas tradicionais de Candomblé vão se organizar da forma como conhecemos hoje,
na Bahia.
O
terreiro mais antigo é a Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, fundado em
1830 por três princesas que foram escravas. A partir de então – e ao longo de
todo o século XIX e começo do século XX – surgem diversas outras casas por toda
a Bahia e mesmo em outros estados, conforme os adeptos vão migrando.
Uma curiosidade: Apesar de ter surgido com os
negros, atualmente, o Candomblé possui mais adeptos brancos que negros.
Eu
comentarei apenas sobre duas das três grandes nações de Candomblé, isso por uma razão simples: Já li e estudei muitos conteúdos dos Ketu e
dos Angola, mas pouquíssimas coisas dos Jeje, de tal forma que não me sinto à
vontade para falar sobre essa nação, ainda que de forma resumida.
Além
do mais, as influências que incidem sobre a Umbanda vieram, justamente, dos
Candomblés Ketu e Angola.
Candomblé Ketu
Este
Candomblé foi formado por escravos que vieram da Nigéria, falantes de Iorubá e
foram os responsáveis por trazer o culto dos Orixás ao Brasil.
Portanto,
os Orixás cultuados na Umbanda são os mesmos do Candomblé Ketu.
Obs.:
Nem todo Candomblé cultua Orixá. O Candomblé de Angola, por exemplo, cultua
Inquice.
Quando
o Orixá se manifesta, não dá consulta, embora traga seu axé que espalha pela
casa através da sua dança.
O
líder de uma casa Ketu é o Babalorixá (pai de santo) ou a Ialorixá (mãe de
santo) e só alcançam esta posição quando são indicados para isso pelos Orixás,
cabendo-lhes uma preparação de muitos anos até que possam conduzir suas
próprias casas.
Em
seguida, vem os Ogãs (masculino) que, além de tocar os atabaques, auxiliam os
dirigentes em todas as suas tarefas dentro da casa. Junto aos Ogãs estão as
Equedes (feminino), mulheres responsáveis por cuidar da roupa dos Orixás bem
como acompanha-los durante as suas danças.
Os
novatos são chamados de Abian e as pessoas que entram em transe de Iaô.
Candomblé Angola
Este Candomblé foi formado por pessoas que
vieram da região de Congo e de Angola, majoritariamente. Foram os primeiros
povos escravizados no Brasil.
Não se cultua Orixá, apesar de, com alguma
frequência, utilizarem a nomenclatura dos Orixás para se referir aos Inquices,
por força do domínio linguístico Iorubá na religiosidade afro-brasileira.
Acredita-se que a palavra “pombagira” seja
uma corruptela de Pambu-Nzíla, um dos Inquices cultuados pelo Candomblé de
Angola.
Os
Inquices não são tão conhecidos quanto os Orixás, embora haja certas
semelhanças entre eles (como ocorre entre a mitologia greco-romana), o que me
faz pensar que, em algum momento no passado distante, esses povos partilharam
crenças em comum, apesar das imensas distancias geográficas.
Quando
se manifestam, os Inquices não dão consultas e, como os Orixás, trazem seu axé
através da dança.
O
responsável pela casa é o Tata (homem) ou a Mametu (mulher). Em seguida temos os
Kambondos (homens cuja função é semelhante à dos Ogãs) e as Kotas (mulheres
cuja função é semelhante à das Equedes). Os iniciados são chamados de Muzenzas.
Um
fato interessante é que muitas casas de Candomblé Angola também trabalham com
caboclos, herança direta da religiosidade indígena. Esses caboclos se
manifestam e dão passes e consultas como nos terreiros de Umbanda.
Sacrifício de animais
O
sacrifício de animais é comum no Candomblé. Podem ser sacrificados: Pombos, galinhas, bodes, cabritos, etc.
O sacrifício é muito importante dentro da ritualística religiosa e obedece a
uma série de critérios onde se associa determinado animal e um Santo
específico, quando se diz que tal Santo “come” ou não tal animal (O termo Santo é influência direta do Catolicismo, quando foi preciso disfarçar o culto aos Orixás/Inquices em culto ao Santos católicos).
É
importante dizer que os animais usados no abate religioso, geralmente, são
criados dentro do terreiro que costuma ter uma grande área verde em torno.
Estes animais são sacralizados, portanto, são muito bem cuidados e no momento
do seu abate são feitas cerimônias cercadas de cuidados e orações. Não se
sacrifica toda hora por qualquer coisa, mas em cerimônias especiais.
Após
o abate, a carne do animal é preparada e distribuída a todos os presentes que
fazem questão de comê-la como sinal de comunhão. Até mesmo a pele do animal é
retirada para usar nos atabaques. Não se sacrifica animais para jogá-los nas
encruzilhadas... São pessoas de outros seguimentos que fazem isso!
Recentemente,
vimos o assunto chegar até o STF que acabou dando parecer favorável ao
sacrifício animal. É importante registrar (e refletir) que todo o processo que
gerou polêmica nesta questão parte, essencialmente, de uma perspectiva de intolerância religiosa em relação aos Candomblés, pois em momento algum se
menciona que Judeus ou Muçulmanos também façam (inclusive no Brasil),
sacrifício de animais.
Obs.:
Eu nunca fiz ou participei de qualquer
cerimônia religiosa com sacrifício de animais e não me identifico com esta
prática de forma alguma. Contudo, é preciso conhecer antes de julgar: Somos
obrigados a reconhecer que os animais sacrificados nos Candomblés são muito bem
tratados e abatidos com muito mais humanidade do que os grandes frigoríficos
que nos fornecem carne sem a menor cerimônia a qual comemos, geralmente, sem
nenhuma dor de consciência.
Candomblé e Umbanda
Embora
hoje se associe com certa naturalidade Umbanda e Candomblé como expressões da
religiosidade afro-brasileira, inicialmente não era assim. As primeiras casas
de Umbanda carregavam o nome “espírita”, como a: Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, fundada por Zélio de
Moraes, ativa ainda hoje, e não as palavras Ilê (Ketu) ou Inzo (Angola), que são
usadas para se referir às casas religiosas nestas nações.
É
importante ressaltar que, até mesmo como estratégia de sobrevivência, o
Candomblé se fechou, sendo um sistema hierarquicamente forte e bem constituído,
não aceitando muito bem a mistura de suas práticas com outras religiões, embora ela tenha ocorrido.
Assim,
a Umbanda tem em comum com o Candomblé alguns aspectos, crenças e o uso de
determinadas palavras. Contudo, esta influência é indireta, uma vez que a
absorção destes conceitos se deu através da influência da Macumba (que como já
estudamos, também absorveu muitos aspectos dos Candomblés).
Muitos
macumbeiros, migrando-se para a Umbanda, levaram também as influências
absorvidas dos Candomblés, como o uso de atabaques, de tal forma que, hoje, encontramos as chamadas “casas
traçadas”, onde se pratica Umbanda, mas numa estrutura muito semelhante às casas
de Candomblé.
A influência
do Candomblé sobre a Umbanda ganhou forças em fins da década de 1940, início de
1950, quando muitos dirigentes de Umbanda começaram a “fazer Santo” no
Candomblé.
Neste
período a Umbanda era retratada como uma “colcha de retalhos”, um “sincretismo”
e não propriamente uma religião. Assim, buscando melhor conhecer a crença dos
Orixás e legitimar suas ações na Umbanda, vários dirigentes buscaram se aproximar
religiosamente dos Candomblés, inclusive, trazendo para dentro de suas casas
práticas que nunca foram fundamentos da Umbanda, como o sacrifício de animais,
por exemplo.
Contudo,
voltaremos a este assunto no futuro.
Obs.:
Você deve ter notado que nosso estudo é um vai-e-vem constante. Isso por uma
razão muito simples: A história não é uma linha do tempo com eventos
sucessivos, mas um emaranhado de fatos e influências que ocorrem, muitas vezes,
ao mesmo tempo. Para construir uma narrativa do surgimento da Umbanda, preciso perpassar
vários momentos e religiões, como será o caso do nosso próximo estudo: O
Espiritismo.
Até
a próxima aula!
Leonardo
Montes
Obrigado e abença meu pai de santo virtual, espero um dia ir na sua casa,...abs e paz
ResponderExcluirSensacional, Leo! Estou usando seu curso no grupo de estudo e tem sido ótimo! Entretanto o Capítulo 5 que eu li, agora ao postar está caindo no capítulo 3 novamente... tem como consertar?!
ResponderExcluirO grupo está ávido pela leitura dos capítulos 5 e 6.
Abraços e parabéns pelo seu trabalho.
Fico feliz em saber Maria, Já consertei os liks, grato!
ResponderExcluirEu sou apenas um médium, companheiro. Mas, será sempre bem-vindo.
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